Como serão as eleições na Coreia do Sul pós-impeachment?
(5 principais candidatos, da esquerda para a direita: Sim Sang-jung, Hong Jun-pyo, Yoo Seung-min, Moon Jae-in e Ahn Cheol-soo)
Primeiramente, para entender o que causou essa abrupta eleição, faremos um breve sobrevoo sobre o processo de impeachment da presidente Park Geun-hye. A então presidente sul-coreana se envolveu em um escândalo político, deflagrado a partir da descoberta de que desde o início de seu governo ela havia buscado conselhos com diversas fontes consideradas contestáveis e deixado uma antiga amiga pessoal se intrometer em questões presidenciais. O grande problema foi que essa amiga, Choi Soon-sil, pertencia a um culto de shamans e não tinha nenhuma posição oficial no governo, mas ainda assim tinha acesso a documentos oficiais e usou dessa influência para desviar mais de 60 milhões de dólares do governo sul-coreano.
Quando o caso foi divulgado pela mídia, após vazamentos dessa investigação, tal escândalo resultou em uma insatisfação tanto da população, que iniciou uma grande onda de protestos ao final de 2016 e no início de 2017, como de outros partidos políticos, que, de maneira unificada, apresentaram a moção de impeachment de Park, sendo esta aprovada em março de 2017 e resultando na chamada de um novo processo eleitoral. Segundo a constituição da Coreia do Sul, a eleição deveria ocorrer 90 dias após a aprovação do processo de impedimento.
Os candidatos mais proeminente para essa nova eleição são :
Moon Jae-in, do Democratic Party;
Partido fundado em 2014, tem como principais pautas a manutenção das políticas econômicas já implantadas no país, de pouca intervenção do Estado e alto grau de participação da iniciativa privada. Em contraposição à grande maioria dos partidos que já governaram o país, tem uma plataforma mais progressista, com uma visão mais liberal da sociedade, além da própria economia. Tem um estilo de liberalismo semelhante ao norte-americano, com a diferença de não ter uma posição muito clara sobre a questão LGBT.
Seu candidato, Moon Jae-in, tem posições bem específicas em certos pontos. Como já trabalhou como advogado de direitos humanos, preza pela liberdade dos indivíduos. Isso pode ser visto na sua visão de retirar leis sul-coreanas de segurança nacional, que são acusadas de serem armas da direita para caçar indivíduos de esquerda. Ele também prometeu acabar com as funções do serviço de inteligência sul coreano no âmbito interno, deixando as tarefas a cargo da própria polícia. Com relação à política externa, se diz aliado dos EUA, inclusive defendendo a presença do país na região como uma maneira de evitar a expansão do comunismo da porção norte da Península Coreana, oriundo do período da Guerra Fria, e promover o crescimento econômico. Contudo, prefere a opção diplomática na principal questão do país: a unificação da Península. O candidato em questão diz que sua primeira visita como presidente seria a Coreia do Norte, para uma possível “liberação” da população e unificação dos países. No âmbito econômico, pretende investir 0,16% do PIB[1], com o intuito de estimular a criação de pequenos e médios negócios. Apesar de ser um valor relativamente baixo, é algo significativo em um país que sempre teve grande participação da iniciativa privada. Com os escândalos recentes no país, o candidato promete transparência no governo, algo que o povo coreano busca desesperadamente após os últimos acontecimentos da política do país. Um ponto controverso é que, apesar de ser tido como o principal candidato do campo progressista, se diz contrário a homossexualidade. Muito disso pode ter a ver com o fato de a Coreia ser um país relativamente conservador no âmbito social.
Hong Jun-pyo, do partido Liberty Korea;
Candidato do partido da presidente deposta, vem com um desempenho fraco [2], muito mais pela exposição dos escândalos do governo anterior do que propriamente por sua própria plataforma eleitoral. Representa a linha mais à direita conservadora do seu partido. Mantém as linhas partidárias, com a manutenção de uma política neoliberal na economia. Uma diferença notável é sua posição ainda mais próxima dos americanos e dos japoneses em termos de política externa, propondo em sua plataforma política que a Coreia do Sul tenha armas nucleares americanas em seu solo visando à defesa de seus interesses nacionais. O que ainda lhe proporciona alguma esperança de ser eleito é o fato de ser da linha contrária ao grupo de Park Geun-hye. Isso lhe confere alguns votos tradicionais do partido, além de outros que foram favoráveis ao impeachment.
Algo que pode ser visto como contraditório é que seu partido apoia o respeito e a difusão dos direitos humanos, especialmente na questão de conter a tortura, defender direitos individuais e promover ajuda aos refugiados norte-coreanos. Contudo, o próprio partido e o candidato são contra o casamento homoafetivo, sendo as posições dele ainda mais controversas. Por exemplo, ele afirma que a presença da AIDS no país é causada pelos homossexuais[3]
Ahn Cheol-soo, do People’s [4]
Atualmente é o candidato que mais cresce nas pesquisas, apesar de ter sofrido uma queda considerável e estar, em média, de 10 a 20 pontos percentuais atrás de Moon Jae-in. Com uma plataforma baseada em propostas consideradas mais centristas, o que mais se destaca no candidato é a sua tentativa de aparecer como um “outsider”, um candidato que vem de fora da política, algo que traz alguma simpatia ao eleitorado, muito pelo fato de as elites políticas tradicionais estarem envolvidas nos escândalos que resultaram no impeachment da presidente.
Ahn, fundador da AhnLab.inc (empresa de software de antivírus), é visto com bons olhos tanto por algumas parcelas da população tidas como liberais como também por aqueles mais conservadores. O primeiro grupo se identifica com suas políticas liberais na economia, com a ideia de redução das desigualdades no país e uma luta contra os grandes conglomerados empresariais familiares, como a Samsung. Outros pontos que se tornam atrativos é a sua intenção de investir e aumentar os gastos com seguridade social, além de apoiar o aumento do imposto financeiro do país, além de uma postura mais cautelosa com a assinatura de tratados de comércio. Ele próprio se considera um “Bernie Sanders” sul coreano [5], o que poderia trazer apoio de pessoas mais jovens.
O seu apoio do eleitorado conservador se dá por dois motivos específicos: sua fortuna construída, a qual conquistou sozinho, e a sua postura com relação à Coreia do Norte. O primeiro ponto se dá pela valorização cultural por aqueles que conseguem construir sua fortuna vindo de fora do meio. Ahn é filho de médicos, cursou medicina mas acabou optando por seguir carreira como um empreendedor na área tecnológica. O segundo ponto de apoio é a sua visão em relação à Península. Ele defende a presença americana na região, mas, diferente de Moon, prefere uma posição mais beligerante, defendendo a presença de mísseis nucleares como forma de se prevenirem de um possível ataque norte-coreano. Essa postura mais enérgica, aliada a uma nova crise na região e à política externa americana atual, pode causar resultados catastróficos para todos. Apesar de defender o diálogo com os chineses, não cogita essa possibilidade com seus vizinhos peninsulares. Essa sua posição ainda atrai o eleitorado mais conservador, pois estes acreditam ainda em uma ameaça nuclear e comunista e defendem o combate a essa ameaça percebida.
Yoo Seung-min, do Bareun[6]
Candidato de um partido considerado como pequeno, advindo da cisão de membros LPK que eram favoráveis ao impeachment de Park Geun-hye. Yoo era um desses membros, que criticava a corrupção do partido e a lealdade que muitos quadros internos ainda mantinham à presidente, apesar de tudo que era apresentado.
Tido como mais um candidato conservador, Yoo se apresenta como uma opção mais “estratégica” muito pelo fato de ter posições semelhantes ao LPK, mas se demonstra favorável a uma maior transparência no governo e busca realizar um distanciamento progressivo em relação às elites do antigo partido. Pode ser visto como um “conservador pragmático”, que tenta conciliar posições tanto de liberais quanto de seu próprio campo. O grande problema é que sua plataforma eleitoral não consegue o apoio de nenhum dos lados, pois a presença de Hong Jun-pyo atrai seu eleitorado conservador, os liberais se voltam ou para Sim Sang-jung ou para Moon Jae-in. Além desses políticos mais tradicionais, Ahn Cheol-soo também adota uma estratégia semelhante a de Yoo, de apaziguar e atrair eleitores de todo o espectro político. A grande diferença é que o candidato do PP é tido como aquele que veio de fora do cenário político, trazendo mais simpatia do que um simples “desertor” do LPK, como Yoo. Outro ponto que lhe dá menos credibilidade é o fato de que antes era um grande apoiador da presidente Park, estando presente em seu círculo mais próximo. Isso leva os eleitores a pensar se ela já não saberia de algo, mas apenas se abstinha.
No que diz respeito a sua política econômica, tende a ser mais um representante do liberalismo tão marcante no país, sendo complacente com as grandes empresas, como a Samsung, que são as principais controladoras do mercado. Em relação a sua política externa, também mantém posição comum aos conservadores, afirmando ser necessária a presença de equipamento antibalístico no país para a defesa contra a Coreia do Norte, principal assunto nos debates de política externa atualmente no país.
Sim Sang-jung, do Justice Party[7]
A candidata do partido Justice Party é tida como a mais progressista entre todos para essas eleições. Sendo a única mulher, muitos tendem a associar sua figura com a da ex-presidente Park. Porém, como ela própria afirma, o fato de serem biologicamente mulheres é o único traço comum entre elas. Sang veio de uma família mais simples do campo e teve que lutar para ter seus estudo, especialmente em um país onde a desigualdade de gênero é tão alta. Por outro lado, Park era filha do ditador Park Chung-hee e sempre foi ligada à elite conservadora do país.
Sang sempre teve ligação com movimentos trabalhistas e pautas progressistas. Participou dos protestos no Complexo Industrial de Guro, lutando por aumento de salários e maiores segurança nas condições de trabalho. Isso ocorreu nos anos 80, época em que o país vivia mais um período de crescimento econômico baseado na iniciativa privada e em uma economia liberal, mas com mais um regime autoritário do ditador Chun Doo-hwan. Nessa época, Sang foi caçada e acusada de ser uma terrorista pelo fato de apoiar as melhoras das condições de trabalho.
Um traço de seu histórico e de seu programa político é a luta feminista. Ela era rotulada de “supermulher”, mas não gostava desse nome, pois mostrava que para as mulheres conseguirem crescer no país só conseguiriam se fossem “super”. Por isso, em seu programa presidencial defende melhoras para a redução da desigualdade de gênero, como aumento do pagamento pelas férias de maternidade e uma melhor retribuição salarial. Ela também visa aumentar o salário mínimo do país, diminuir o número de empregos irregulares, reduzir as horas de trabalho e dar mais poder para o ministério do trabalho.
Apesar de ser uma figura carismática por toda a sua história e postura mais progressista, é a única que tem em seu discurso a causa LGBT incorporada, o que faz com que não consiga tanto apoio muito por causa do seu próprio partido. Tido como de centro-esquerda, o JP não possui muitos simpatizantes pelo fato de essa linha política não ter muito sucesso nem apelo entre a população do país, fazendo com que seja um partido pequeno e de pouca atratividade.
Dois últimos pontos da sua campanha são a luta contra os grandes conglomerados sul-coreanos, comandados por famílias (LG, Hyundai, Samsung, etc), visando a ajudar os trabalhadores dessas empresas e a estimular a competição e a possibilidade do crescimento de pequenas e médias empresas. Além disso, é uma das poucas vozes favoráveis à retirada de todas as armas nucleares da Península, inclusive na Coreia do Sul, optando pelo diálogo com os norte-coreanos.
O que esperar?
(Moon Jae-in é o favorito, será que ele consegue confirmar o favoritismo?)
As pesquisas mais recentes apontam Moon Jae-in como o favorito[8]. Pertence ao partido Democratic, que fez oposição ao governo de Park Geun-hye. Com a convocação para as eleições sendo necessária após o impeachment de Park, essa se torna de extrema relevância pela situação que está se desenvolvendo na Península. Apesar de certa estabilidade econômica, muitos são os críticos dos grandes conglomerados no país, além da percepção ampla de um elevado grau de corrupção entre a classe política tradicional do país. Na política externa, todos os olhos estão se voltando para a região com o aumento das tensões com a Coreia do Norte e a atuação norte-americana, se mostrando ainda mais intervencionista com a presidência Trump.
O eleitorado sul-coreano tem uma divisão clara entre liberais e conservadores, mas mesmo o primeiro grupo tende a ser, em certo grau, conservador. Isso é demonstrado pelo machismo na sociedade, a baixa preocupação com assuntos das minorias e da proteção dos trabalhadores. Um ponto quase tido como unanimidade é o baixo envolvimento do Estado na questão econômica, já que o modelo aplicado vem demonstrando bastante sucesso durante muito tempo.
Moon Jae-in, o grande favorito, consegue atrair eleitores liberais e conservadores, além daqueles mais progressistas, mesmo fazendo parte das elites partidárias e sendo pouco coeso com relação às questões sociais. Ele consegue esse sucesso muito em parte também por essa sua ambiguidade, bem vista pelos conservadores, e por fazer parte do partido com a maior bancada, o que possibilitaria que ele consiga fazer reformas, mesmo que pequenas. O candidato tem tudo para vencer após a onda de euforia eleitoral de Ahn ter diminuído, mas nenhuma vitória está garantida, ainda mais a perspectiva de escalada da tensão militar na Península.
*todas as pesquisas utilizadas tiveram ao menos 1000 pessoas entrevistadas.
https://en.wikipedia.org/wiki/Sim_Sang-jung
https://en.wikipedia.org/wiki/Justice_Party_(South_Korea)
Sites para se manter atualizado:
https://en.wikipedia.org/wiki/South_Korean_presidential_election,_2017
http://asia.nikkei.com/Politics-Economy/Policy-Politics
http://www.koreatimes.co.kr/www2/index.asp[9]
[1] Disponível em https://www.bloomberg.com/news/articles/2017-04-17/korean-presidential-candidate-moon-vows-10-trillion-won-stimulus
[2] Disponível em http://www.kukinews.com/news/article.html?no=449743
[3] Disponível em https://www.koreatimes.co.kr/www/nation/2017/04/356_228350.html
[4] Disponível em https://www.nytimes.com/2017/04/14/world/asia/south-korea-election-ahn-cheol-soo.html?_r=1
[5] Disponível em http://www.huffingtonpost.com/emanuel-pastreich/the-bernie-sanders-of-kor_b_9211944.html
[6] Disponível em https://www.koreatimes.co.kr/www/nation/2017/03/356_226554.html
[7] Disponível em https://koreaexpose.com/sim-sang-jung-superwoman-south-korea/
[8] Disponível em http://www.dailian.co.kr/news/view/628969/?sc=naver