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As consequências do resultado das eleições gerais do Reino Unido, segundo Conor Foley


(Foto: The Telegraph)


O resultado das eleições gerais no Reino Unido, realizadas no dia 08 de junho, surpreende. Acompanhe mais uma análise de Conor Foley* (texto em português e inglês):


No momento em que escrevo, foram declarados todos, exceto um lugar, na eleição britânica. Há um total de 650 deputados. O Partido Conservador (Tories) ganhou 318 lugares (uma queda de 12) e o Partido Trabalhista ganhou 261 (um ganho de 31). Votos em uma zona eleitoral (no extremamente rico Kensington e Chelsea) ainda estão sendo contados e parece que o Partido Trabalhista – surpreendentemente – ganhou. O Partido Nacional Escocês (um partido de esquerda que favorece a independência para a Escócia) tem agora 35 lugares (uma perda de 19) e os Liberais Democratas, centristas, têm 12 (um ganho de três). Há também duas partes na Irlanda do Norte: Sinn Fein tem sete (um ganho de três) e o Partido Democrático unionista (DUP) tem 10 (um ganho de dois).


Nenhum partido obteve maioria geral, mas, por convenção constitucional, a Rainha convidará a primeira-ministra titular, Theresa May, a tentar primeiro formar um governo, juntando uma coalizão com outros partidos. Se isso soa medieval é porque é. A Grã-Bretanha não tem uma constituição escrita, a segunda Câmara do Parlamento, a Câmara dos Lordes, é inteiramente não eleita (até relativamente pouco tempo a maioria dos seus membros fazia parte da aristocracia britânica que herdava seus assentos junto aos seus terrenos) e o primeiro-ministro, atuando sob a Prerrogativa Real, tem poderes para declarar guerra ou assinar tratados estrangeiros sem a necessidade de buscar a aprovação do parlamento.


Os Tories anunciaram que estão formando um pacto eleitoral com o DUP, o que lhes dará a maioria geral por apenas dois lugares. O DUP é um partido protestante evangélico com pontos de vista sobre questões como o casamento do mesmo sexo e as mudanças climáticas, que os coloca na extrema direita do espectro político. Durante o conflito na Irlanda do Norte, vários dos seus membros demonstraram ligações muito estreitas com grupos paramilitares lealistas. Eles agora detêm efetivamente o equilíbrio de poder no Reino Unido como um todo.


(May à caminho da rainha para falar sobre o pacto com DUP. Foto: Stefan Wermuth/Reuters)

Supostamente, a primeira-ministra May convocou a eleição para obter maior autoridade para negociar a saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit) e para capitalizar sobre a fraqueza percebida no líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn. May tomou uma posição de confronto linha-dura nas negociações de Brexit – priorizando o fim da imigração em detrimento do acesso ao mercado único e dizendo que "nenhum negócio é melhor do que um negócio ruim". Essa seria realmente uma calamidade econômica para a Grã-Bretanha, mas é uma postura politicamente populista que atrai os eleitores nacionalistas ingleses. Essa posição, no entanto, mascara profundas divisões dentro do partido Tory sobre o Brexit e a UE. A própria May votou contra o Brexit no referendo, assim como a maioria dos membros parlamentares do Tory, pois estão bem cientes das suas prejudiciais consequências econômicas. O pressuposto era o de que uma grande maioria dos membros parlamentares permitiria que May firmasse compromissos dolorosos durante as negociações, o que, de outra forma, poderia derrubar seu governo.


Os Tories iniciaram a corrida eleitoral 20 pontos à frente dos Trabalhistas, prevendo que sua força política eliminaria o partido. A campanha eleitoral concentrou-se nas alegadas "fraquezas" de Corbyn, como sua falta de patriotismo (ele apoia pessoalmente a abolição da monarquia), sua relutância em usar armas nucleares e seu apoio ao diálogo com grupos como o IRA e o Hamas. No entanto, o clima mudou dramaticamente durante a campanha. Corbyn conseguiu mobilizar jovens que se expressaram em números sem precedentes (a votação não é obrigatória na Grã-Bretanha) e os Trabalhistas obtiveram ganhos significativos. Os jovens também votaram em peso contra o Brexit e, portanto, as grandes perdas sofridas pelos conservadores podem, em parte, ser lidas como um voto contra a posição pública de May sobre esta questão – embora existam vários outros fatores também envolvidos.


O SNP, o Liberal Democrata e o Sinn Fein se opõem fortemente ao Brexit e estão todos mais ideologicamente próximos dos Trabalhistas do que dos Tories. O DUP apoiou o Brexit – embora a maioria das pessoas na Irlanda do Norte tenha votado a favor da permanência na UE. No entanto, é provável que a maioria garantida pela coligação Tory-DUP, por dois assentos, desapareça muito em breve, devido ao inevitável desgaste de eleições parciais; para que isso aconteça, apenas um assento precisaria trocar de mãos. Nesse ponto, eles poderiam enfrentar uma moção de não-confiança, o que enfraqueceria o governo e forçaria uma nova eleição.


(Foto: Christopher Furlong)


As negociações sobre o Brexit deverão ser retomadas na próxima semana. Os negociadores da UE sabem que a posição de May é agora muito frágil e podem se vingar da maneira difícil como foram conduzidas as negociações iniciais. Além disso, a Grã-Bretanha está entrando em uma recessão, induzida pelo Brexit, que já está começando a arrochar padrões de vida. É inconcebível que o governo não perca uma eleição parcial em algum momento nos próximos dois anos, na medida em que as negociações do Brexit seguirem seu curso e antes do acordo final ser fechado.


Uma das três "exigências" da UE nas negociações é que não deve haver uma "fronteira" entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte (as outras duas são os direitos dos cidadãos da UE na Grã-Bretanha e o Orçamento). Esta demanda é fortemente apoiada pelo governo irlandês e também pelo Sinn Fein. A Grã-Bretanha e a Irlanda, como um todo, gozavam tradicionalmente de uma fronteira completamente aberta, mesmo antes de os dois países se juntarem à UE, mas o Brexit implica que os controles alfandegário e de imigração precisarão ser introduzidos. Se isso fosse feito na atual fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, seria extremamente prejudicial econômica e politicamente com um impacto literalmente explosivo sobre o ainda frágil processo de paz irlandês. Uma alternativa seria excluir a Irlanda do Norte dos controles alfandegários e colocá-los nos portos e aeroportos dentro da Grã-Bretanha, mas isso implicaria que a Irlanda do Norte não integra efetivamente o Reino Unido.


Os membros parlamentares do Sinn Fein não ocupam os seus assentos no parlamento, em parte porque não aceitam a autoridade do governo britânico sobre a Irlanda do Norte, mas também, crucialmente, porque isso exige juramento de fidelidade à Rainha como chefe de Estado constitucional. Isso é extremamente significativo, inclusive do ponto de vista emocional. Particularmente entre aqueles que acreditam que a liderança do Sinn Fein já fez muitas concessões em nome da paz. A Irlanda do Norte tem uma administração descentralizada, mas que atualmente está suspensa devido a uma disputa entre Sinn Fein e o DUP, deixando pouco espaço para o avanço político. Além disso, pode-se esperar que o DUP venha a extrair benefícios a partir de sua influência atual sobre o governo britânico, possivelmente até renegociar alguns aspectos do acordo de paz da Irlanda do Norte. Enquanto os sete deputados do Sinn Fein permanecem fora de Westminster, a aliança DUP-Tory tem poucos votos de sobra, mas se May enfrentar uma moção de confiança por conta do Brexit, em alguns meses ou anos, isto se tornaria crucial. Em tal cenário, os deputados do Sinn Fein podem optar por entrar no parlamento com o único e específico propósito de votar pela moção de não-confiança e derrubar o governo Tory-DUP.


Praticamente ninguém previu o resultado das eleições de ontem e ninguém realmente sabe o que acontecerá depois na política britânica. May pode ser forçada a renunciar após o seu dano infligido aos Tories. Os Tories provavelmente irão lutar pelo Brexit, mas a possibilidade de que nenhum acordo seja alcançado nesse processo de saída aumentou dramaticamente, o que poderia literalmente resultar na Grã-Bretanha enfrentando um bloqueio econômico. Existe uma necessidade urgente de os partidos não conservadores começarem a pensar e discutir sobre a formação de uma plataforma alternativa comum. Isso deveria incluir questões como a soberania nacional e a reforma constitucional, que antes eram consideradas tabus, mas que poderiam assumir uma crescente urgência nos próximos meses.


(Tradução: Elis Castanheira)


The consequences of the UK general election's result, according to Conor Foley


The result of the general elections in the United Kingdom, held on June 8, is surprising. Conor Foley * analyzes the possible repercussions:


At the time of writing all but one seat in the British election have been declared. There are a total of 650 Members of Parliament. The Conservative Party (Tories) have won 318 seats (a drop of 12) and Labour has won 261 (a gain of 31). Votes in one constituency (the extremely wealthy Kensington and Chelsea) are still being counted and it appears that Labour may – astonishingly – have won it. The Scottish National Party (a left-leaning party that favours independence for Scotland) have 35 seats (a loss of 19) and the centrist Liberal Democrats have 12 (a gain of 3). There are also two parties in Northern Ireland: Sinn Fein have 7 (a gain of 3) and the Democratic Unionist Party (DUP) have 10 (a gain of 2).


No party has an overall majority but, by constitutional convention, the Queen will invite the incumbent Prime Minister, Theresa May, to first try and form a government, by stitching together a coalition of other parties. If that sounds medieval it is because it is. Britain has no written constitution, Parliament´s second Chamber, the House of Lords, is entirely unelected (until comparatively recently most of its members were part of the British aristocracy who inherited their seats along with their landed estates) and the Prime Minister, acting under the Royal Prerogative has powers to declare war or sign foreign treaties without necessarily seeking parliament´s approval.


The Tories have announced that they are forming an electoral pact with the DUP, which gives them an overall majority of just two seats. The DUP are an evangelical Protestant party with views on issues such as same-sex marriage and climate change, which put them on the far right of the political spectrum. During the conflict in Northern Ireland a number of their members were found to have very close links to loyalist paramilitary groups. They now effectively hold the balance of power in the UK as a whole.


(May on the way to speak with the queen about the pact with DUP. Photo: Stefan Wermuth/Reuters)

Prime Minister May called the election, ostensibly to give her greater authority to negotiate Britain´s exit from the European Union (Brexit), but also to capitalise on the perceived weakness of the Labour party leader, Jeremy Corbyn. May has taken a hard-line confrontational stance in the Brexit negotiations – prioritising an end to immigration over access to the single market and saying that ´no deal is better than a bad deal´. This would actually be an economic calamity for Britain, but it is a politically populist stance appealing to English nationalist voters. This position, however, masks deep divisions within the Tory party over Brexit and the EU. May herself voted against Brexit in the referendum, as did most Tory MPs, as they are well aware of its damaging economic consequences. The assumption was that a large majority of MPs would enable her to make painful compromises during the negotiations, which could otherwise bring down her government.


The Tories started the election 20 points ahead of Labour, predicting that they would wipe out the party as a political force. The election campaign centred on Corbyn´s alleged ´weaknesses´, such as a lack of patriotism (he personally supports the abolition of the monarchy), his unwillingness to use nuclear weapons, and his support for dialogue with groups such as the IRA and Hamas. The mood changed dramatically during the campaign, however. Corbyn succeeded in mobilising young people who turned out in unprecedented numbers (voting is not compulsory in Britain) and Labour made significant gains. Young people had also voted heavily against Brexit and so the heavy losses suffered by the Tories can partly be read as a vote against May´s public stance on this issue – although there were a number of other factors also at work.


The SNP, Liberal Democrats and Sinn Fein are all strongly opposed to Brexit and are all closer ideologically to Labour than the Tories. The DUP supported Brexit – although the majority of people in Northern Ireland – voted in favour of remaining in the EU. The Tory-DUP majority of two seats is, however, likely to disappear very soon given the inevitable attrition of by-elections; just one seat would need to change hands. At that point, they could face a vote of no-confidence, which would bring down the government and force a new election.


(Photo: Christopher Furlong)

Negotiations on Brexit are due to resume again next week. The EU negotiators know that May´s negotiating position is now very weak and are in a position to extract some revenge for the high-handed way that she handled the opening talks. Britain is also entering into a Brexit-induced recession that is already starting to squeeze living standards. It is inconceivable that the government won´t lose a by-election at some point over the next two years as the Brexit negotiations run their course and before the final deal has been agreed.


One of the EU´s three ´Red Lines´ in the negotiations is that there should be no ´hard border´ between the Irish Republic and Northern Ireland (the other two are the rights of EU citizens in Britain and the Budget). This demand is strongly supported by the Irish government, and also Sinn Fein. Britain and Ireland, as a whole, traditionally enjoyed a completely open border, even before both countries joined the EU, but Brexit implies that customs and immigration controls will need to be introduced. If this was done on the current Irish-Northern Irish border it would be hugely economically and politically damaging with a literally explosive impact on the still fragile Irish peace process. An alternative would be to exclude Northern Ireland from the checks and place these at ports and airports inside Britain, but this would imply that it was not a full part of the UK.


Sinn Fein MPs do not take up their seats in parliament, partly because they do not accept the authority of the British government over Northern Ireland, but also, crucially, because this requires swearing an oath of allegiance to the Queen as the constitutional head of state. This is hugely emotionally significant, particularly amongst those who believe Sinn Fein´s leadership have already made too many compromises already in the cause of peace. Northern Ireland has a devolved administration but it is currently suspended because of a row between Sinn Fein and the DUP, leaving very little room for political advance. The DUP can now also be expected to extract concessions, from their current leverage on the British government, possibly even re-negotiating some aspects of the Northern Ireland peace agreement. While Sinn Fein´s seven MPs remain outside Westminster the DUP-Tory alliance has a few votes to spare, but if May were to face a confidence vote on Brexit a few months or years from now, they would become crucial. In such a scenario Sinn Fein MPs might choose to enter parliament for the sole and specific purpose of voting for the no-confidence motion and bringing down the Tory-DUP government.


Virtually no one predicted yesterday´s election result and no one really knows what is going to happen next in British politics. May herself may be forced to resign after her self-inflicted damage on the Tories. The Tories will probably pursue Brexit, but the possibility of no deal being reached on exit terms has increased dramatically, which could literally result in Britain facing an economic blockade. There is an urgent need for the non-Tory parties to start thinking and talking about the formation of a common alternative platform. This should include issues such as national sovereignty and constitutional reform, which were previously considered arcane, but could take on increasing urgency in the months ahead.





*Conor Foley é doutorando em Filosofia, Direito Internacional e Estudos Jurídicos. Professor convidado da PUC Rio - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professor convidado da Faculdade do Direito Universidade de Sheffield Hallam. Pesquisador da Universidade de Essex. Painel de Peritos do Departamento de Criminologia da Universidade de Leicester. Colaborador ocasional do The Guardian.


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