Ricardo Oliveira analisa as consequências da reeleição de Hassan Rohani
Foto: © AFP 2017/ ATTA KENARE
Com o resultado da décima segunda eleição presidencial iraniana, quais mudanças podem ser esperadas nos cenários de política externa e interna do país? Essas questões foram analisadas pelo professor Ricardo Oliveira*, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio:
Passadas três semanas das eleições presidenciais no Irã, muito se discute sobre o futuro político-econômico do país, principalmente no que diz respeito à postura das lideranças iranianas com o chamado “mundo ocidental”. Reeleito com 23,5 milhões de votos (57%), Hassan Rohani representa uma ala reformista/moderada que coabita o sistema político iraniano com setores conservadores, simpáticos ao então candidato derrotado de oposição Ebrahim Raisi (este obteve 15.8 milhões de votos equivalentes a 38%)[1].
O Aiatolá Ali Khamenei, clérigo e líder supremo do país, ainda que não exerça diretamente nenhuma autoridade na estrutura hierárquica do governo (do ponto de vista burocrático, comercial e orçamentário), possui, ainda assim, uma influência decisiva sobre as estruturas de poder no Irã[2]. Recentemente, Khamenei, diante da afinidade ideológica com Raisi, acenou com a possibilidade de aproximá-lo do cargo supremo iraniano tendo em vista as negociações já em curso no Legislativo para a sua sucessão. Certamente a transição do posto mais alto da estrutura política iraniana é um grande desafio que se apresenta pela frente diante do enfraquecido Raisi[3]. Cabe lembrar que existem divisões internas na família de Khamenei sobre quem deverá assumir esta posição: Raisi ou Hourain. Simultaneamente, o que agrava as tensões internas é o papel dos Guardiães da Revolução Islâmica, que sistematicamente interferem no sistema político do país, contribuindo, desta forma, para a perda de independência das instituições iranianas – projeto este combatido por Rohani e almejado pela sociedade civil[4].
Somado a luta política interna a ser observada nos próximos anos, Rohani deverá potencializar sua aproximação com o chamado “Mundo Ocidental”. Esta aproximação se dá principalmente com os países do G7, além da China, Rússia e União Europeia com um objetivo muito claro: facilitar a exportação de petróleo para estes mercados de modo a dar prosseguimento aos projetos de estímulo ao crescimento econômico, iniciados a partir das benesses obtidas com o acordo nuclear de 2015. Este pragmatismo de Rohani busca, portanto, potencializar os ganhos econômicos do mercado internacional e superar altas taxas de desemprego, baixos investimentos diretos estrangeiros e a eliminação completa de embargos e sanções econômicas, comerciais e bancárias[5].
Simultaneamente, o objetivo é integrar o Irã ao mercado global como forma de ampliar a rede de oportunidades econômicas e comerciais num contexto de estrangulamento externo. De acordo com dados apresentados pelo Fundo Monetário Internacional, a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da economia iraniana para 2018 é de 4.3%, com um aumento acumulado de aproximadamente 8% desde 2015[6]. A plataforma de desenvolvimento econômico e social deve sufocar a pouca habilidade do governo em ampliar uma reforma na área dos direitos humanos – que ganhou mais expressão a partir da Revolução Verde de 2009. Esta inabilidade é fruto de um fortalecimento da ala conservadora diante da crescente mobilização da sociedade civil por reformas estruturais. Há que se levar em consideração entretanto que Rohani, ainda que um reformista/moderado, fora aprovado pelo Conselho de Guardiães – grupo de clérigos e juristas especialistas na Lei Islâmica que aprovam candidatos aptos a concorrerem aos cargos públicos em todas as instâncias administrativas.
Ocupando uma posição relevante no Oriente Médio, o Irã, no segundo mandato de Rohani, deverá manter o status quo em relação ao Afeganistão, Iraque, Líbano, Síria e Yemen. Alguns grupos terroristas destes países, como é o caso do Hamas, Hezbollah e Houthis, contam com o apoio da Guarda Revolucionária Iraniana. A Guarda, que responde diretamente a Khamenei, é um grande entrave no projeto de Rohani de aproximação do Irã com o mundo ocidental. Este fato ajuda a esclarecer a baixa atenção dedicada aos candidatos no que diz respeito à política externa durante o processo eleitoral. Este é um domínio que certamente Rohani precisa rever de modo a diminuir a tensão com países árabes vizinhos, Washington e o conjunto de instituições multilaterais – como é o caso das Nações Unidas[7].
Por exemplo, no debate público convocado pelo Conselho de Segurança no dia 20 de abril deste ano, o órgão e demais atores relevantes de governo e sociedade civil manifestaram sua preocupação com a crescente onda de instabilidade no Oriente Médio e encorajaram os participantes a "pensarem em questões-chave, como quem são os atores regionais que mais se beneficiam do caos, e quais são as conexões que existem entre grupos terroristas e alguns Estados; quais passos podem ser tomados para identificar e enfrentar ameaças à paz e segurança internacional decorrentes desta situação; e como a comunidade internacional pode trabalhar para garantir que os "maus atores" não se beneficiem dos esforços de reconstrução pós-conflito"[8]. Há, portanto, um acompanhamento rigoroso das instituições internacionais sobre o papel iraniano na região do Oriente Médio e Rohani luta para se dissociar de práticas de má governança interna e externa para dar prosseguimento ao seu projeto de desenvolvimento econômico.
Retomando as questões internas, é digno de nota destacar que, diante de uma ala conservadora fragmentada momentaneamente, Rohani deverá estabelecer uma coalizão interna de modo a criar uma governabilidade e não prejudicar o plano de reformas econômicas e sociais implementado há poucos anos. Adicionalmente, de modo a ganhar a simpatia do governo conservador, Rohani deve se projetar como uma alternativa viável à sucessão do cargo de liderança mais alto do país. Por outro lado, o próprio Rohani lida com uma crescente demanda de setores reformistas/moderados para uma abertura política e social, que demandam uma revisão urgente do governo iraniano em temas e agendas sensíveis – como gênero, religião e direitos humanos em geral. Estas forças gravitacionais, que coabitam o sistema político iraniano com a mesma força e intensidade, expressam avanços e recursos do Irã interna e externamente.
Diante da perspectiva em tela, conclui-se que, à medida em que o Irã se aproxima pragmaticamente do “Mundo Ocidental” ao longo da administração Rohani, o país se torna mais exposto internacionalmente às pressões por mais reformas políticas, econômicas e sociais. A integração à economia global de mercado apresenta um preço a ser pago e o governo Rohani se vê diante de um cenário de acirradas tensões em torno dos rumos que o país ainda vem incertamente construindo nos últimos anos.
Após o resultado das eleições que confirmaram sua vitória, Rohani afirmou "(…) hoje, o Irã está mais alto do que em qualquer momento e está pronto para expandir suas relações com o mundo com base no respeito mútuo e nos interesses nacionais"; “(…) hoje, o mundo sabe que os iranianos escolheram o caminho da interação com o mundo longe do extremismo e da violência”[9]. Diante do exposto, é preciso sair do plano da retórica e avançar em direção às reformas estruturais de modo a efetivamente garantir desenvolvimentos que excedam a esfera econômica no Irã.
*Ricardo Oliveira é doutorando em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possui graduação e mestrado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio). Em 2012.2, foi Visiting Research Fellow do Departamento de Ciência Política da Brown University. É membro da International Studies Association (ISA) e da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI). Foi professor substituto do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) entre 2014-2016. É professor no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. Seus interesses de pesquisa envolvem os seguintes temas: Economia Política Internacional, Organizações Internacionais e Segurança Internacional.
Referências:
[1] http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/05/1885704-eleicao-presidencial-no-ira-registra-alta-participacao-de-eleitores-diz-governo.shtml
[2] https://www.cfr.org/interview/why-irans-elections-matter
[3] http://citrus.uspnet.usp.br/nupri/index.php/2017/05/26/blog/ira-o-que-esperar-do-novo-governo-de-hassan-rouhani/
[4] https://www.theatlantic.com/international/archive/2017/05/iran-election-rouhani-tehran-khamenei/527076
[5]https://www.theatlantic.com/international/archive/2017/05/iran-election-rouhani-tehran-khamenei/527076/
[6] https://www.imf.org/external/country/IRN/
[7] https://www.theatlantic.com/international/archive/2017/05/iran-election-rouhani-tehran-khamenei/527076/
[8] http://www.whatsinblue.org/2017/04/middle-east-open-debate-2.php
[9] https://www.ft.com/content/ca521252-3d35-11e7-9d56-25f963e998b2?mhq5j=e3