ELEIÇÕES PARA A ASSEMBLEIA NACIONAL FRANCESA
As eleições para a Assembleia Nacional são muito importantes na França. Mesmo que teoricamente o legislativo francês seja bicameral, desde o início da Quinta República o efetivo poder do Senado é bastante limitado, já que a palavra final na elaboração das leis cabe sempre aos parlamentares da Assembleia.
A Constituição vigente francesa confere à Assembleia Nacional influência não somente no Legislativo, mas também é dela que sai o indicado a primeiro-ministro, que divide o poder Executivo com a presidência e, em teoria, pode até impedir que um presidente eleito tenha capacidade de implementar um programa de governo. Considerando os diversos motivos que tornam as eleições legislativas efetivamente decisórias na França pelos próximos cinco anos, a alta taxa de abstenção no primeiro turno torna-se algo bastante preocupante, ofuscando, inclusive, a expressiva vitória do partido do recém-eleito presidente Macron, o La Republique En Marche.
A França é dividida em 577 distritos. Cada um elege um parlamentar. Destes, 539 estão na França metropolitana, e os outros 38 correspondem aos territórios franceses no exterior ou franceses que moram em outros países. As eleições ocorrem em dois turnos. Todos os candidatos que obtiveram mais do que 12,5% dos votos relativos a todos os inscritos em cada distrito estão classificados para o segundo turno. Isso gera algumas situações inusitadas, como disputas entre três e até quatro candidatos em alguns distritos na segunda votação.
Além disso, como os que continuam na disputa são definidos em relação ao número de inscritos, o nível de abstenção pode influenciar bastante a disputa, já que aumenta a porcentagem de votos válidos necessários para a ida de um candidato ao segundo turno. Em caso de uma abstenção de 50%, como foi o caso do primeiro turno em 2017, apenas candidatos com 25% dos votos válidos continuaram na disputa. Um valor bem alto, que dificultou bastante que mais de dois por distrito conseguissem.
Desde o início dos anos 2000, as eleições para a Assembleia ocorrem no mesmo ano das eleições presidenciais, alguns meses depois, de forma a facilitar que o presidente
eleito consiga uma maioria no legislativo, e evitar a possibilidade de um período de coabitação, com presidente e primeiro-ministro de partidos que se opõem, o que significaria um Executivo dividido e um governo paralisado em muitos aspectos. Consequentemente, os mandatos do presidente e dos parlamentares agora ocorrem em períodos correspondentes, de cinco anos.
A primeira etapa da votação para as eleições legislativas aconteceu no domingo (11/06) e a segunda será amanhã (18/06). O partido de Macron é novo, existindo há apenas um ano e, no entanto, pesquisas divulgadas pelo jornal “Le Figaro” e pela AFP preveem que até 400 assentos serão ocupados por ele. A mudança surpreende já que os partidos tradicionais: Partido Socialista e Os Republicanos (partido sucessor da União por um Movimento Popular, fundado em 2002 por Jacques Chirac) revezaram a maioria das cadeiras nos últimos 60 anos. Contudo, a renovação ampla da Assembleia Nacional já era esperada já que 200 deputados estão em fim de mandato e não se reelegeram e 7.882 candidatos se apresentaram para os cargos. Destes, mais de 42% são mulheres e a idade média dos candidatos é de 48,5 anos. No parlamento atual, são mulheres 155 dos 577 dos deputados. Estes 26,7% são um recorde de mulheres no cargo até então.
O partido La Republique En Marche atingiu, segundo a Agência EFE, 32,32% dos votos, no primeiro turno das eleições legislativas. Pesquisas do Instituto Ipsos indicam que o partido, associado aos centristas do MoDem, pode conseguir, no segundo turno, de 415 a 455 cadeiras, das 577 existentes. Tal resultado seria um recorde de maioria, sendo que para estabelecer uma maioria o partido apenas necessitaria de 289 cadeiras.
Ainda no primeiro turno, o tradicional partido de direita, Os Republicanos, ficou em segundo lugar, associado aos centristas da UDI, com 21%, 56% dos votos. Em 2012 o partido conseguiu 199 cadeiras e a votação atual se traduziria em 70 a 110 deputados, o que poderia reduzir o número de cadeiras do partido para menos da metade.
O Frente Nacional foi o terceiro partido mais votado conseguindo 13,2% dos votos. O resultado não seguiu as expectativas do partido de extrema-direita, cuja líder Marine Le Pen concorreu às eleições presidenciais e ficou em segundo lugar. Nas eleições do mês passado o Frente Nacional conseguiu 10,6 milhões de votos para a presidência. Atualmente o partido possui duas cadeiras na assembleia e almejava aumentar esse número para 15 lugares. No momento o partido pode conseguir de um a cinco assentos.
O Partido Socialista que conseguiu a maioria nas eleições legislativas de 2012 teve apenas 9,5% de apoio no primeiro turno das eleições atuais, o que o posiciona em quinto lugar, atrás do partido de extrema-direita Frente Nacional e do partido de extrema-esquerda França Insubmissa. Em 2012, o Grupo Socialista garantiu 292 cadeiras. O grupo é formado pela coalizão entre os partidos PS, MRC e Esquerda independente. Isso, em comparação às projeções do Ipsos, onde o Partido Socialista terá de 20 a 30 cadeiras, aponta que o PS perderá pelo menos 250 cadeiras.
O partido França Insubmissa foi criado em 2016 com o objetivo de eleger seu líder Jean-Luc Mélenchon à presidente em 2017. O partido é sucessor do Frente de Esquerda, fundado em 2008, com a junção do Partido Comunista Francês, o Partido de Esquerda e outros menores e movimentos políticos e sociais de esquerda. A Frente Insubmissa conseguiu 11% dos votos e projeções para o segundo turno indicam que o partido, sozinho, deve conseguir de oito a 18 cadeiras. Junto ao Partido Comunista Francês o movimento de extrema-esquerda conseguiu 14,2% e projeções para o segundo turno indicam que conseguirá de onze a 23 deputados. Potencialmente, o movimento terá o suficiente para formar um grupo parlamentar, mas não o suficiente para ser a principal força de oposição contra o partido do atual presidente, como pretendia.
Após os resultados do primeiro turno, que ocorreu no último domingo (11/06), LREM caminha para uma vitória confortável o que é mais que suficiente para que Macron consiga governar praticamente sem oposições ao longo de seu mandato. Só que isso não significa que o governo terá um alto nível de legitimidade, devido à mais alta taxa de abstenção na história da Vª República francesa.
As votações indicam que a abstenção foi maior entre os eleitores da extrema-direita e extrema-esquerda. Os jovens eleitores e eleitores da classe trabalhadora se abstiveram em maior número. Em função disso, Mélenchon instigou seus eleitores a comparecerem às urnas para impedir que Macron tenha “pleno poder”.
Os números de abstenção também foram maiores nas áreas mais pobres da França, incluindo os subúrbios do norte de Paris, partes de Marselha, partes do Nordeste desindustrializado e em Guadalupe, onde a abstenção atingiu 76%.
No primeiro turno, mais da metade dos franceses não votou, com o número oficial de abstenções de 51,29% dos inscritos. É a primeira vez desde a 2ª Guerra Mundial que mais da metade dos franceses não vai votar e, se esses números se repetirem no segundo turno, poderá acarretar sérios problemas de legitimidade ao presidente. Vale frisar que nas eleições presidenciais Macron se classificou com cerca de 24% dos votos, e no segundo turno boa parte dos votos que obteve foram mais motivados por uma rejeição à extrema direita de Marine Le Pen do que realmente um apoio ao projeto do candidato da LREM. A dominação do parlamento pelo partido de Macron lhe dará mais chances para realizar as mudanças que deseja para o país, como o afrouxamento das extensas leis trabalhistas e a mudança do sistema de previdência social sobre pensões e benefícios de desemprego. Em suma, caso as previsões de resultado se confirmem para o segundo turno, e se repita a grande abstenção às urnas, teremos um cenário na França de um governo com ampla liberdade de ação para adotar quaisquer medidas que deseje, mas com uma baixa representatividade em relação a população francesa.
14ª Assembleia Nacional Francesa definida através das eleições legislativas de 2012:
Gráfico seguindo as previsões do Ipsos para a 15ª Assembleia Nacional Francesa definida através das eleições legislativas de 2017:
Referências:
EBC AGÊNCIA. Brasil Partido de Macron vence eleições legislativas na França. Disponível em <http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2017-06/partido-de-macron-vence-eleicoes-legislativas-na-franca> Acesso em 2017
FRANCE INFO. Législatives : cinq chiffres qui relativisent la victoire écrasante de La République en marche au premier tour. Disponível em: <http://www.francetvinfo.fr/elections/legislatives/legislatives-cinq-chiffres-pour-relativiser-la-victoire-de-la-republique-en-marche-au-premier-tour_2233221.html>
G1. Eleições legislativas devem implodir partidos tradicionais e populistas na França. Disponível em <http://g1.globo.com/mundo/noticia/eleicoes-legislativas-devem-implodir-partidos-tradicionais-e-populistas-na-franca.ghtml> Acesso em 2017
G1. França vai às urnas nas eleições legislativas com partido de Macron favorito. Disponível em <http://g1.globo.com/mundo/noticia/franca-disputa-eleicoes-legislativas-pesquisas-apontam-vitoria-de-partido-de-macron.ghtml> Acesso em 2017
LE FIGARO. Législatives: radiographie d'une abstention historique. Disponível em: <http://www.lefigaro.fr/elections/legislatives/2017/06/12/38001-20170612ARTFIG00221-legislatives-radiographie-d-une-abstention-historique.php>
LE MONDE. Les paradoxes de la victoire de La République en marche : les enseignements du premier tour des législatives. Disponível em: <http://www.lemonde.fr/elections-legislatives-2017/article/2017/06/11/les-paradoxes-de-la-victoire-d-en-marche-les-enseignements-du-premier-tour-des-legislatives_5142420_5076653.html>
THE GUARDIAN. French elections: Macron's party buoyant but turnout slumps. Disponível em <https://www.theguardian.com/world/2017/jun/12/french-parliamentary-elections-emmanuel-macron-low-turnout> Acesso em 2017