Uma visão local da eleição alemã
Em entrevista concedida pela Fundação Konrad Adenauer, com sede em Botafogo, falamos diretamente com Alexandra Steinmeyer, representante adjunta, sobre a eleição alemã que ocorrerá no dia 24 de setembro, esse final de semana. Alguns dos assuntos abordados foram a história eleitoral no país, a função das fundações políticas, o sistema eleitoral do país, seus partidos e outros diversos assuntos. Está disponível na íntegra. HUGO – Primeiramente, gostaria de agradecer a Alexandra por aceitar o convite para a nossa entrevista e também a Konrad por terem sido tão solícitos. Começo com a questão de qual é sistema eleitoral na Alemanha? Muitos sabem que é um governo parlamentar, mas nem lembram que há um presidente e não sabem muito bem como funcionam as eleições, que é diferente do modelo brasileiro.
ALEXANDRA (Konrad) - Eu acho interessante, antes de responder sua pergunta, contextualizar um pouco qual é a relação entre a Fundação Konrad Adenauer (KAS) e o partido político União Cristão-Democrata (CDU). Na Alemanha, tem organizações quase únicas mundialmente, que são as fundações políticas. Elas surgiram na Alemanha depois da Segunda Guerra mundial. O sistema democrático que tem hoje em dia no país já é a segunda tentativa de se estabelecer um sistema democrático na Alemanha. A primeira tentativa foi a República de Weimar, entre as duas guerras mundiais. Porém, como bem sabemos infelizmente, essa democracia não conseguiu se sustentar e veio o regime nazista e a Segunda Guerra mundial. Depois da vitória dos aliados, esses fizeram uma análise que uma das razões pelas quais essa primeira tentativa de estabelecer uma democracia não tinha dado certo era a falta de educação política, de uma cultura realmente democrática. Por isso, eles resolveram estabelecer e fortalecer organizações de educação política. O problema foi que na Alemanha pós-nazista, que tinha sido uma ditadura totalitária, na verdade não havia muita estrutura para educação política. O que tinha eram os partidos políticos da oposição, que existiam até a sua proibição pelo regime nazista, e os aliados chegaram à conclusão de de que esses partidos podiam servir como ponto de partida para fazer seminários de educação política. Eu acho muito importante sempre contar essa história porque, de fato, o começo do trabalho de todas as fundações politicas era a educação política na propria Alemanha.
Enfim, começou com os partidos políticos, depois foram criadas as fundações políticas. Qual é essa relação? Diferentemente do Brasil, as fundações políticas na Alemanha não são financiadas nem são ligadas diretamente aos partidos políticos. São duas entidades bem separadas, inclusive juridicamente. Tem inclusive leis muito claras sobre isso e também não recebem dinheiro um do outro. O nosso trabalho como fundação política é financiado por verba pública. Cada ano, o Bundestag alemão autoriza o orçamento anual do governo federal em forma de lei, e este orçamento também inclui o financiamento para as fundações políticas.
Também é muito importante que haja uma pluralidade das fundações políticas na Alemanha. Ou seja, não é o caso, por exemplo, que só tenha a Fundação Konrad Adenauer porque neste momento a Angela Merkel é chanceler. Qualquer partido democraticamente legitimado, isso quer dizer, que elegeu deputados para o parlamento federal para mais do que dois períodos legislativos seguidos, tem direito de receber parte deste orçamento para as fundações políticas, dividido conforme os resultados das últimas eleições. Ou seja, ao longo prazo os resultados das eleições federais, entre muitas outras coisas, determinam também o orçamento das fundações políticas.
Como na Alemanha tem 6 partidos políticos com representatividade no parlamento federal alemão, também tem 6 fundações políticas. Elas são, além da Fundação Konrad Adenauer pela qual eu trabalho e que tem uma proximidade ao partido democrata-cristão CDU, a Fundação Hanns Seidel, do partido cristão-social CSU da Bavária, a Fundação Friedrich Ebert, do partido social democrata SPD, a Fundação Friedrich Naumann, do partido liberal FDP, a Fundação Heinrich Böll, do partido Verde, e a Fundação Rosa Luxemburg, do partido da Esquerda. Cinco delas, com a exceção da Fundação Hanns Seidel, são ativas no Brasil, sendo que eu trabalho para a Fundação Konrad Adenauer. O trabalho das fundações políticas alemãs começou, então, na própria Alemanha e como parte de um processo que começou nos anos 60 se extendeu ao exterior. Nosso trabalho tem relação com criar parcerias, trabalhar com projetos locais e fortalecer o diálogo entre os países e a Alemanha.
Tendo dito isso, a questão do sistema eleitoral é uma excelente pergunta porque, de fato, tem diferenças muito interessantes que inclusive queremos trazer muitas dessas questões agora para o Brasil, justamente porque tem uma forte discussão neste momento sobre uma possível reforma política.
Na Alemanha, temos um sistema que aqui no Brasil se chama “sistema distrital misto”, é um sistema proporcional, personalizado. O que quer dizer isso? Proporcional significa que se elege os deputados federais do parlamento alemão e conforme a proporção dos votos que um certo partido obtém, ele ganha uma certa representatividade no parlamento. O Misto, o componente Personalizado, se refere ao fato que quando nós votamos na Alemanha, temos dois votos: com o primeiro, elegemos o candidato do distrito. Como são os distritos eleitorais na Alemanha? Aí tem uma grande diferença [em relação] ao Brasil. A Alemanha tem 299 distritos eleitorais neste momento, o que é bastante quando consideramos que é um país menor tanto em superfície quanto em número de habitantes em relação ao Brasil. A Alemanha tem 82 milhões de habitantes, o que significa que cada distrito eleitoral tem mais ou menos 250 mil habitantes, ou seja, muito menor do que os distritos eleitorais aqui no Brasil, que corresponde aos estados para as eleições de deputados federais.
Por que isso é importante? Para cada distrito eleitoral, quando se elege o parlamento federal na Alemanha, com o primeiro voto votamos para o candidato do distrito.. Aí, o sistema para este primeiro voto de maioria simples, ou seja, um candidato que reunir em si a maioria dos votos nesta etapa, obtém um assento no parlamento federal.
Também tem o segundo voto, onde entra o componente proporcional. Com este segundo, vota-se numa legenda, num partido político. Atualmente existem sete grandes partidos na Alemanha que estão já representados em parlamentos federais ou estaduais, sendo que dois deles fazem parte de uma união. Esse é o caso da CDU. A CDU cria essa união junto com o partido CSU, a União Cristão Social, que é o seu partido irmão no estado da Bavária. Ao nível federal, estes dois são considerados como um, razão pela qual costumamos falar emde seis grandes partidos na Alemanha. Assim nesse sistema, com o segundo voto, eu voto para uma legenda. Conforme as porcentagens obtidas nas eleições, o resto do parlamento que não entrou pelo primeiro voto como candidato direto entra representando uma certa legenda, conseguindo completar o parlamento federal.
Esta instituição é parte do sistema parlamentar na Alemanha, diferente do Brasil, que é um sistema político presidencial. Isso significa que na Alemanha não se vota diretamente para presidente ou para chanceler. Esses dois cargos são eleitos indiretamente. A chanceler é eleita pelo parlamento federal alemão. Mas claro que tem uma certa previsibilidade porque na Alemanha, mudanças de legenda acontecem muito raramente. Quando cheguei ao Brasil, li que em um período legislativo, aproximadamente 1/3 dos parlamentares federais brasileiros mudam a legenda. Na Alemanha é tão raro que pesquisei se isso de fato era juridicamente possível. De fato o é, mas acontece muito raramente. Isso quer dizer que com meu voto eu tenho uma influência forte sobre quem vai ser a próxima chanceler.
A Alemanha também tem um presidente, que neste momento é Frank-Walter Steinmeier, do partido político SPD, o Partido Social Democrata. Ele também é eleito, mas não pelo parlamento federal e simpor uma assembleia composta para este propósito exclusivamente, formada por representantes de cada estado federativo da Alemanha. Mas a grande diferença entre o cargo de presidente federal Alemanha e Brasil, neste caso específico, é o fato de que na Alemanha é uma figura majoritariamente representativa, sendo o chefe de Estado enquanto a chanceler é a chefe de governo.
HUGO - De maneira mais breve, o primeiro voto então seria semelhante ocorre nas eleições britânicas, onde se escolhe o candidato, e o segundo voto já seria para finalizar o parlamento, que seria esse voto proporcional então...
ALEXANDRA – Exatamente.
HUGO - A última pergunta: Qual seria a possibilidade de uma nova coalizão de governo? Porque na última eleição o CDU conseguiu aproximadamente 40%, então não garantiria uma maioria no parlamento alemão. Qual seria um possível novo aliado? Com o apontamento de Martin Schulz para concorrer ao cargo de chanceler pelo SPD, essa coalizão poderia ser abalada para depois de 2017.
ALEXANDRA - Então, são várias questões. É importante lembrar que para qualquer eleição federal na Alemanha os partidos sempre nomeiam um candidato para o posto de chanceler. Mas você levanta um ponto muito fundamental, que é a importância das coalizões no sistema alemão. Como é um sistema proporcional, e como temos neste momento seis partidos no parlamento federal e provavelmente teremos sete, isso logicamente leva a um parlamento mais fragmentado. Logicamente não chega nem perto do parlamento fragmentado que estamos vendo aqui no Brasil, mas, para “standards” alemães, o cenário de partidos políticos que temos hoje em dia é muito fragmentado. Vale lembrar que, depois da segunda guerra mundial, quando ‘nasceu’ o sistema de partidos políticos que temos hoje em dia na Alemanha, dominavam três partidos: CDU, SPD e o partido liberal, que é o FDP. Este sistema de partidos se ampliou com a criação do Partido Verde, que tem uma agenda muito forte de meio ambiente, e com o partido da esquerda “A Esquerda”, e agora ainda mais com o partido AfD (Alternativa para Alemanha).
Nesse sentido, um parlamento tão fragmentado necessariamente requer uma coalizão de partidos. Por que? Porque é a coalizão que cria o governo que vai depois eleger o chanceler. Ou seja, depois das eleições do dia 24 de setembro haverão as negociações de coalizão. Elas só terminam quando chega a um contrato de coalizão. Eu acho isso muito importante porque mostra o entendimento e a estabilidade do governo de coalizão na Alemanha, à diferença do sistema político brasileiro. Os partidos firmam esse contrato e então declaram que eles querem formar um governo. Depois disso, elege-se o chanceler ou a chanceler. Normalmente o candidato à chancelaria vem do partido mais forte, que obteve mais votos. Nesse sentido também não foi uma grande surpresa que nos anos passados na coalizão atual que tem entre CDU e SPD a Angela Merkel foi eleita a chanceler, justamente porque a CDU é o parceiro mais forte dentro desta coalizão.
Quais são as oportunidades, falando matematicamente, além de uma continuação da coalizão entre CDU e SPD? Eu trouxe aqui a recente pesquisa de opinião, que aponta a três oportunidades sobre como poderia ser uma coalizão depois dessas eleições. Uma, que já teve no passado, seria uma coalizão entre CDU e o partido liberal, o FDP. Matematicamente, hoje em dia, ainda não há votos suficientes para essa coalizão, mas hipoteticamente seria possível. A segunda opção que seria possível é entre o partido CDU e o Partido Verde. Essa aliança já existe em governos estaduais mas nunca teve ao nível federal, porém matematicamente hoje também não chega a uma maioria no parlamento. Com isso, a terceira coalizão, que hoje em dia é a mais provável, seria entre CDU, Partido Verde e o Partido Liberal. Essa coalizão é chamada “Jamaica”, pelas cores preto, verde e amarelo dos partidos. Essa matematicamente já seria possível hoje em dia, mas também ainda faltam algumas semanas para as eleições e o cenário ainda pode mudar.
HUGO - E é incomum ter coalizões com mais de dois partidos na Alemanha?
ALEXANDRA - Ao nível federal não teve desde 1957. É uma tendência atual de fragmentação do parlamento, tornando mais provável.
Alexandra Steinmeyer atua, desde fevereiro de 2016, como representante adjunta da Fundação Konrad Adenauer no Brasil.